19 de jun. de 2010

Saramago R.I.P.


E as pessoas dizem que a gente nunca sofre por quem não conhecemos. Não conhecia José Saramago, mas sua morte me deixou uma lacuna... Posso dizer que tinha um pouco dele em mim, do mesmo modo que tenho um pouco de cada escritor dos livros que li. Saramago, em especial, me cativou com sua forma de narrativa, aquela leitura que deixa confusa e ao mesmo tempo extasiada. Esse era Saramago, o homem ao qual eu, carinhosamente, falava que tinha feição de tartaruga... vai em paz, e obrigado por ter existido e doar um pouco de si nos seus livros.

Poema à boca fechada


Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

José Saramago